Como contratar e reter mulheres devs no Brasil
Apesar de serem maioria no ensino superior no Brasil, as mulheres representam 15% do total de alunos dos cursos de computação e apenas 17% dos profissionais de tecnologia no Brasil. O que pode estar errado nessa conta? Ou, tanto melhor: o que fazer para atrair e principalmente reter mais mulheres para uma área tão profícua e carente de profissionais qualificados?
Essas são duas indagações que, neste “mês da mulher”, procurei levar a diversas comunidades de mulheres desenvolvedoras em busca de pistas e respostas capazes de gerar debates e promover resultados mais satisfatórios para nós no mercado de tecnologia nacional. Obtive respostas de algumas das comunidades mais ativas, entre elas, WoMakersCode, Programaria e Reprograma, e também de Aline Teles, do perfil @queroserprogramadora.
Tristes constatações
A primeira coisa que me chamou a atenção foi a unanimidade apontada na forma como nós mulheres somos ensinadas desde pequenas a sermos “dóceis, delicadas, cuidadoras e servis”. Por outro lado, os meninos são muito mais estimulados no raciocínio lógico e preparo profissional, desde cedo, com “brinquedos” como computadores e videogames. Não que essa seja uma grande surpresa, afinal, eu mesma passei pelo mesmo tipo de “doutrinação” pelos meus pais quando criança.
“Tudo isso cria o estereótipo tão difundido de que mulher e tecnologia não combinam. O senso comum - e errôneo - de que ‘mulheres não são boas em Matemática’ tem consequências na relação negativa que muitas mulheres acabam criando com a tecnologia e nas carreiras que escolhem seguir”, conta Mariana Pezarini, do Programaria. Para ela, não dá para simplificar e dizer que se trata apenas de ‘falta de interesse’: é importante, antes de tudo, identificar como essas experiências, estímulos e oportunidades distintas para homens e mulheres contribuem para a desigualdade na área.
Tudo começa na proatividade…
Posso afirmar que, no meu caso específico, a curiosidade e principalmente a proatividade que tive ao longo da infância e adolescência foram fundamentais para, depois de muitos anos de formada, “buscar meu lugar ao sol” em um contexto majoritariamente masculino. E o mesmo vale agora para as empresas. “Não adianta a gente falar ‘ah, mas no meu tempo era diferente, era mais difícil…’ quando as empresas precisam ter um posicionamento mais proativo e buscar, se não vai efetivamente executar alguma ação, incentivar instituições que estejam fazendo”, defende Carla De Bona, do Reprograma”.
Na visão dela, se uma empresa quer trazer mais mulheres para a tecnologia, precisará construir pontes para isso, com base em uma cultura interna que favoreça a permanência delas nas organizações. “Se eu (empresa) não tenho essa cultura para receber mulheres, eu vou buscar uma consultoria para me ajudar a entender como eu manejo essa cultura, que políticas eu preciso estabelecer, enfim, vou atrás de iniciativas que formem mulheres para trazer mais diversidade para esse mercado”, afirma Carla De Bona.
Visão semelhante têm Noemi Galvão e Cynthia Zanoni, da WoMakersCode. Para ela, o crescente movimento pela equidade de gênero deve ser um compromisso não só das empresas, como também de todas as pessoas no ambiente produtivo, já que a diversidade é fundamental para a inovação. E, para que isso aconteça, é de suma importância a construção de espaços de trabalho que propiciem uma cultura inclusiva para as mulheres, onde sejam coibidos casos de machismo, sexismo e misoginia, transformando o ambiente corporativo em um lugar (mais) seguro e confortável para elas.
Essa construção, claro, é coletiva e envolve também o investimento em ações intencionais, capazes de conscientizar e mudar os paradigmas que impedem o avanço das mulheres desenvolvedoras no Brasil. Uma delas, talvez a mais importante, é viabilizar oportunidades de acesso à capacitação visando a empregabilidade de mais e mais mulheres na tecnologia.
…E se amplia na diversidade
É de domínio público que as mulheres recebem salários menores para o mesmo cargo e função que os homens, enfrentam maior estagnação na carreira, sofrem com um ambiente hostil e, por conta de todos esses fatores, acabam desistindo da área, abrindo espaços maiores ocupados pelos homens. O papel das empresas, no entanto, acaba sendo fundamental para reverter esse cenário. “O primeiro passo é garantir o compromisso com a diversidade, que deve ser um valor refletido nas práticas da empresa e compartilhado por todos os colaboradores, especialmente os gestores”, avalia Mariana Pezarini, do Programaria.
Para ela, é importante avaliar também se o discurso se torna prática, já que todo o processo exige intencionalidade e investimento de recursos e esforços para que aconteça de fato. “Além disso, é preciso entender que diversidade e inclusão caminham juntos. De nada adianta melhorar a representatividade e contratar mais mulheres e pessoas fora da cisheteronormatividade, se elas não vão encontrar um ambiente em que sejam respeitadas e que possibilite seu desenvolvimento profissional”.
Boas práticas
Existe uma série de boas práticas que as empresas podem seguir para atrair e desenvolver mulheres (e também pessoas trans) fora do espectro cisheteronormativo na tecnologia:
- Cuidar para que a descrição da vaga seja inclusiva
- Buscar candidatos em diferentes lugares
- Fazer formações sobre viés inconsciente
- Reconhecer e dar destaque às colaboradoras mulheres
- Promover igualdade salarial
- Prover canais de acolhimento de denúncias
- Agir rapidamente após situações de assédio
- Garantir comprometimento da liderança com o tema
- Criar processos de mentoria para mulheres que estão iniciando no mercado
- Estabelecer metas e divulgar seus resultados
Antes de tudo, é preciso elevar as mulheres no meio tech para que seja possível começar a atraí-las e retê-las nesses ambientes. Com isso, passaremos a ter mulheres em diversos cargos de liderança também. E uma empresa capaz de criar uma estrutura ativa que seja segura para que ela se desenvolva, provendo recursos reais para isso, só terá a ganhar. Não somente em inovação, mas sobretudo em capital humano.