Desenvolvendo com TDAH
O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade é um transtorno que afeta gravemente a vida acadêmica e profissional de um indivíduo. Impulsividade, dificuldade de concentração em afazeres e planejamentos, fácil sobrecarga de trabalho e alterações de humor são sintomas mais conhecidos deste transtorno, tanto em adultos quanto em crianças. Tarefas que podem parecer simples para uma pessoa neurotípica (que não possui transtornos neurológicos) podem ser desafios para quem sofre desse transtorno. Educação básica, ensino superior e vida profissional podem ser facilmente afetados.
Tratamento
Existem tratamentos que podem aliviar estes sintomas. Porém, devido a uma série de fatores como o preço dos medicamentos, seus efeitos colaterais e o preço de tratamentos com um profissional da saúde, algumas pessoas preferem abordar outras estratégias para lidar com o transtorno. Vale lembrar que o SUS oferece medicação para o tratamento após acompanhamento profissional, entretanto existe uma sobrecarga nos centros de atenção psicossocial que muitas vezes impede pacientes de baixa renda de obter o remédio. Ainda assim, deve-se insistir na procura pelo tratamento caso esta seja a opção, pois isto demonstra a procura da sociedade pelo atendimento e pode promover mudanças.
Dia a dia com TDAH
Mecanismos de compensação não destrutivos são formas que as pessoas que sofrem com TDAH de lidar com o dia-a-dia. São uma série de processos mentais e práticas que ajudam pessoas que sofrem com o transtorno a realizar tarefas e viver como pessoas neurotípicas.
Nesse artigo apresentaremos uma série de mecanismos que um desenvolvedor pode usar para obter bons resultados durante o trabalho. Vale lembrar que essas estratégias devem ser usadas com parcimônia, visto que mecanismos de compensação podem causar grande cansaço mental ao ponto de afetar fisicamente um indivíduo. Lembre-se também que todos os processos descritos neste artigo vem das experiências pessoais de uma pessoa que sofre o transtorno do tipo desatento em conjunto, em tratamento terapêutico, com uma série de artigos científicos a respeito do tema.
Pessoas que sofrem do tipo agitado do transtorno, ou que possuem mais sintomas ou com uma intensidade maior dos efeitos, podem ter dificuldade em seguir esses passos. Caso você perceba que não consegue seguir estas estratégias, e se você puder, consulte um profissional da saúde. Este profissional pode te dar dicas melhores e te guiar a estratégias que podem melhor te beneficiar.
Guilherme de Andrade Moura, desenvolvedor e diagnosticado com TDAH, conta neste artigo algumas dicas para ajudar no dia a dia.
Estratégias para devs no ambiente de trabalho
Revise
Deixar tarefas inacabadas é um dos maiores males que vem com esse transtorno, seja no serviço, escola, faculdade ou em casa. Isso afeta tanto adultos quanto crianças, e num ambiente de desenvolvedores, isso pode ser um grave problema. Deixar códigos funcionando pela metade, ou que afetam outras funcionalidades de aplicações ou sistemas sem considera-lás pode gerar atraso, e em um nível pessoal, um grande puxão de orelha da direção.
Esse problema não ocorre de má fé por parte daquele que sofre do transtorno, e como pessoas que sofrem com o TDAH precisamos reafirmar isto para nós mesmos e para nossos colaboradores. Uma forma interessante de “passar por cima” desse efeito do transtorno é praticar uma revisão geral do que foi feito e validar as funcionalidades do nosso trabalho, quando julgarmos uma tarefa por encerrada.
Se a tarefa na qual você se envolveu não possuir documentação, crie uma lista do que você precisa fazer. Caso seja necessário, valide o passo a passo com algum supervisor ou algum desenvolvedor. É interessante que você também liste o que pode ser afetado pelo código que você está escrevendo. Estudar o código antes de engajar no projeto é importante, mesmo que seja difícil. Caso você tenha dificuldade nessa parte, consulte novamente seus superiores. Após a conclusão da tarefa, revise os passos, com calma. Caso você esteja passando por episódios de agitação, dê um tempo, levante, beba uma água e tente esvaziar sua mente um pouco do serviço. É importante ter calma e paciência neste momento para que você involuntariamente não pule algum passo.
Lembre-se de que essa estratégia não é perfeita, e nem é pensada para ser. Falhas podem ocorrer, porém isso é normal tanto para pessoas com neuro divergências quanto para pessoas neurotípicas. Esta estratégia serve para reduzir a quantidade de falhas. É interessante que a equipe sempre tenha processos de validação e testes de tarefas, pois estes podem evitar qualquer problema ou erro que possa ter passado despercebido.
Use estratégias de aviso e escrita
Pessoas com TDAH tendem a esquecer das coisas com uma frequência incômoda. Ao contrário de pessoas neurotípicas, o esquecimento de pessoas com o transtorno costuma a ocorrer até na repetição de tarefas comuns e pode em vários casos provocar consequências sérias. Durante o desenvolvimento, esse problema pode se manifestar quando o programador se esquece de alguma reunião com a equipe ou o cliente, se esquece de uma tarefa durante a sprint, ou acaba não realizando algum processo de submissão ou validação de código.
Nestes casos é interessante a utilização de ferramentas que alertam o profissional de eventos que precisam ser realizados. Calendários virtuais, alarmes no celular e até notas adesivas (virtuais ou físicas) podem ser ótimos aliados.
Existem casos em tarefas de testes ou apenas examinando a aplicação, que o desenvolvedor pode encontrar alguma falha ou erro. Ao reportar-lá, essa falha pode não ser tratada imediatamente pelo mesmo ou pela equipe. Isso pode ocorrer quando a falha for encontrada no final do expediente ou quando existem outras tarefas que impedem sua correção imediata, embora não se restrinja a apenas estes dois acontecimentos. Nestes casos, é interessante que o desenvolvedor anote o processo que foi realizado para chegar no erro e ressaltar os seguintes pontos:
- Em qual tarefa esta falha ocorreu;
- Em qual tela ou ambiente a falha foi encontrada;
- Quais foram os passos realizados que resultaram no erro;
- Caso o desenvolvedor conheça o sistema, sua funcionalidade e seus componentes, o que poderia ter ocasionado esse comportamento;
Documentando estas informações fica mais fácil de explicar para a equipe o que ocorreu, ou de se lembrar futuramente do processo envolvido para encontrar a falha. Mesmo que a descrição do que ocorreu não seja boa, é possível acessar o componente ou trecho de código que apresentou problemas, replicar o erro e assim prosseguir para um processo de correção.
Cuidado com a comunicação
“Parece que você não está entendo, mas está falando que sim para acabar com essa conversa”.
Essa frase pode ser ouvida com alta frequência durante reuniões ou explicações de tarefas. Isso pode ocorrer por uma infinidade de fatores, dentre eles:
- Você pode estar tão focado em absorver as informações que durante um estado pensativo, não produz uma resposta que gera confiança nas pessoas envolvidas;
- Você não compreendeu as técnicas ou componentes envolvidos na tarefa, porém entende o que precisa ser feito. Ainda assim, devido a falta de conhecimento, você não produz uma resposta convincente;
- O seu foco realmente não estava na reunião/conversa, ou você teve medo de não possuir o conhecimento necessário para a realização da tarefa. Dentro desse sentimento, e com o temor de uma possível resposta ou consequência negativa, você responde que compreendeu, mesmo não tendo entendido o assunto;
- Você tem medo de demonstrar dúvida ou teve péssimas experiências no passado com a resolução de questionamentos com algum membro da equipe.
Para todos os casos, existem estratégias que podem ser utilizadas, tanto para demonstrar aos envolvidos na conversa que você compreendeu, como para reafirmar seu foco em tudo o que você precisa fazer. Quando perguntarem se você entendeu o problema, descreva o problema resumidamente. Caso algum dos participantes seja desenvolvedor, cite os componentes ou trechos de código envolvidos que estão (ou que você acredita que estejam) envolvidos no problema. Ao perguntarem se você entendeu o que precisa ser feito, recite o que você acredita ser um passo a passo do processo da possível solução. Caso você precise de alguma correção, o time prontamente te dirá .
Anotar o que está sendo discutido é um método que facilita o uso dessa estratégia. Entretanto, lembre-se que exagerar na repetição dos processos deste método pode fatigar o time. Caso você sinta que precisa conversar mais sobre o assunto em questão, procure separadamente um membro do time ou alguma pessoa ou busque tutoriais na internet.
Descanso e cuidados com a saúde
Acabou o expediente? Desligue sua cabeça de tudo o que é relacionado ao serviço. É imperativa a dedicação aos outros aspectos da vida do desenvolvedor sem que o âmbito profissional tome conta de sua mente. Caso não exista nenhuma obrigação pessoal ou doméstica, tome um bom banho, troque de roupa, ligue o videogame, assista a uma série, ou pratique qualquer tipo de rotina de descanso que você tem. Pessoas que sofrem com TDAH possuem dificuldade em se desligar do serviço após o expediente, principalmente se o horário de trabalho foi cansativo e pediu muito do raciocínio lógico do desenvolvedor.
É importante também que exista um cuidado com a saúde tanto física quanto mental do desenvolvedor. A prática de exercícios físicos pode elevar a quantidade de dopamina e inibir possíveis problemas causados pelo transtorno (por exemplo: depressão). O acompanhamento terapêutico também deve ser levado a sério, já que através deste, o terapeuta pode identificar possíveis pontos a serem tratados que podem diminuir ou eliminar as consequências do transtorno e recomendar atividades que promovem melhorias na qualidade de vida.
TDAH não é o fim do mundo
Muitas vezes lemos textos científicos, postagens em redes sociais e testemunhos de pessoas com o transtorno e somos tomados por uma onda de pessimismo. Às vezes a ideia de uma vida normal parece estar completamente fora do nosso alcance. Porém possuir o transtorno não significa que você não pode viver uma vida digna. TDAH não é loucura e apesar do mundo profissional atual ter sido construído com pessoas neurotípicas em mente, pessoas neuro divergentes também podem encontrar uma posição digna onde se sintam pessoalmente realizadas.
Pessoas com TDAH tendem a possuir pensamentos divergentes sobre uma infinidade de assuntos. Isto pode levar ao encontro de soluções únicas que não podem ser facilmente observadas por pessoas neurotípicas. Pessoas com TDAH podem reter conhecimento de técnicas e ferramentas que nem sempre são utilizadas, podendo criar conceitos e soluções originais que se encaixam perfeitamente para a resolução de problemas.
É sempre importante se lembrar: pensar de forma diferente não é uma doença, mas sim a forma com que o futuro é construído.