Minha jornada enquanto mulher trans no tecnologia
A minha história começa ainda muito pequena, nasci e cresci na zona leste de São Paulo, sou de família humilde e me lembro de desde cedo jogar com meus parentes mais próximos. Meu tio, especialmente, era fissurado por jogos digitais, e por conta dele experimentei alguns consoles, porém, o meu primeiro console, foi um PlayStation One, aquele modelo redondinho, slim, e branquinho, embora me recorde também de achar um Atari 2600 nos armários dos meus avós maternos, que acabaram me dando de presente, e só depois de muito tempo pude ter um PlayStation 2.
Mas porque eu estou contando tudo isso? Basicamente, por ter tido esse contato com estes universos digitais desde pequena, fiquei fascinada e acabei criando uma paixão e ambição de fazer parte daquilo, tanto participar da construção daqueles universos que eu tanto gostava, como de criar universos completamente originais.
Entre 6-8 anos, não me recordo exatamente, ganhei o meu primeiro computador, e mesmo sem internet, comecei a explorar tudo que podia. Com as lan-houses e as aulas de informática no ensino fundamental, comecei a trazer vários softwares que encontrava pela internet (especialmente pelo saudoso Baixaki) no meu pendrive, desde softwares para modelagem 3D e IDEs, até game engines, dentre eles, o tão amado RPG Maker. Bom, vocês já devem imaginar onde tudo isso foi parar.
Desde criança tive essa curiosidade e devido a esse interesse, me tornei autodidata, fiz vários joguinhos e projetos, infelizmente perdidos pela internet (acreditem, eu procurei muito por eles nesses últimos anos), especialmente com o desligamento do fórum, Mundo RPG Maker.
Em agosto de 2012, com forte incentivo dos meus pais, passei na ETEC, no curso de Técnico em Informática, e além de aprender muito mais sobre hardware, pois também era curiosa sobre, acabei descobrindo o desenvolvimento de software, que era um mundo não totalmente explorado por mim até então, e por começar a perceber como era difícil o mercado de jogos digitais no Brasil, especialmente naquela época, decidi me aprofundar em software, e entrar no mercado através dessa área.
Vale dizer que ainda em 2012, eu fui ao meu primeiro grande evento sozinha, a Brasil Game Show, que tinha acabado de chegar em São Paulo, e além de ter acesso aos jogos e consoles que sequer haviam sido lançados ainda, também pude conversar e conhecer muitos estúdios e pessoas que trabalhavam na indústria dos games no Brasil.
Foi uma jornada incrível, o curso se iniciou com lógica de programação, especialmente usando Pascal, partindo para Delphi, e posteriormente VB.NET, além de banco de dados com MySQL, e uma breve introdução ao desenvolvimento web com HTML, CSS e JavaScript no tão famoso Dreamweaver.
Nosso projeto de conclusão de curso foi um software de automação para escritórios de nutrição, onde a pessoa nutricionista poderia cadastrar as pessoas pacientes, suas anamneses e montar cardápios de forma facilitada com dados dos alimentos e seus nutrientes vindos de uma tabela padronizada de composição alimentar. Desenvolvemos o software como uma desktop application, utilizando VB.NET, e inicialmente o banco de dados SQL Server, porém migrando no fim para o MySQL.
Terminando a ETEC em dezembro de 2013, e ainda no penúltimo ano do ensino médio, aproveitei os dois últimos anos do ensino médio para continuar estudando por conta, e com sorte conseguir um emprego na área quando fizesse 18 anos.
Transição tech
Em 2015, já com 18 anos e passando por muitos problemas, medos e inseguranças, especialmente com a família, e por conta da minha transição como mulher trans, consegui um emprego em uma empresa de telemarketing, e logo sai de casa para poder realizar o meu sonho. Os anos se passaram, mas não conseguia sequer um e-mail de resposta ou um convite para uma entrevista na área, comecei a desanimar, sentia que o mercado nunca abriria espaço para mim, isso tudo antes dos atuais movimentos pela diversidade no mercado, leis e tudo mais que, felizmente, hoje conquistamos.
Mas felizmente na minha pior fase, desempregada, com problemas pessoais, familiares, e morando na casa de acolhimento do projeto Casa 1, aqui de São Paulo, do qual sou eternamente grata, consegui uma entrevista para estagiar como Customer Success, e posteriormente Customer Support, na Linte, uma startup law-tech, onde eu pude reconstruir a minha imagem, auto confiança, além de me desenvolver em diversos aspectos como profissional, conhecer muitas pessoas incríveis e gerar visibilidade e reconhecimento no mercado de tecnologia.
No meio dessa jornada, sofri fortemente com a tão famosa síndrome de impostora, acabei deixando o curso superior em Análise e Desenvolvimento de Sistemas que ingressei ao entrar no estágio na Linte, e decidi tentar uma outra paixão, o Design Digital, mas sentia que havia algo de errado, e infelizmente com a pandemia, saí da empresa, e voltei a ficar desempregada.
Em meio ao caos, decidi começar o meu canal ao vivo de jogos na Twitch, onde me tornei streamer afiliada com pouco tempo, e comecei, inclusive, a trabalhar transmitindo eventos e shows para me manter financeiramente durante esse período. Como resultado de todo esse movimento, decidi retornar as origens, e tentar começar o curso superior de Tecnologia em Jogos Digitais, mas sem sucesso, infelizmente a faculdade sequer conseguiu formar a minha turma, e teve de cancelar o curso.
Frustrada com tudo aquilo, e com os trabalhos na Twitch acabando, comecei a refletir sobre toda a minha jornada, o que eu poderia fazer, e onde eu realmente gostaria de chegar. E com isso, decidi retomar os estudos em desenvolvimento, em janeiro de 2021, no curso superior de Ciência da Computação, mas por vários motivos, migrei no semestre seguinte novamente para o curso superior em Análise e Desenvolvimento de Sistemas, concluida em dezembro de 2023.
Mas claro, como não morava com meus pais, e precisava de uma forma para me manter durante todo esse processo, ainda no primeiro semestre, comecei a buscar por oportunidades de estágio, e ainda em setembro de 2021, comecei a estagiar como Application Developer na IBM, onde fui efetivada 9 meses depois, em maio de 2022, e fiquei até maio de 2023.
Hoje participo de todos os eventos que eu posso, especialmente a Brasil Game Show, que tenho um carinho enorme, mas também de comunidades, como a Feministech, apoiando o ingresso de outras pessoas na indústria de tecnologia, especialmente, mas não exclusivamente em desenvolvimento, criando conteúdo sobre tecnologias no geral, desenvolvimento, carreira e diversidade, além de jogos, e buscando sempre me especializar mais e mais, mantendo o espirito de uma pessoa autodidata e curiosa que me trouxe até aqui.
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