Tecnologia e inovação é, sim, coisa de menina!

Tecnologia e inovação é, sim, coisa de menina!

Nós mulheres somos a metade da população do planeta, e ainda assim, quando pedimos para qualquer um pensar em uma figura que mudou os rumos da história e da tecnologia, é muito raro que essa figura seja uma mulher. Mas por quê? Será que por uma fatalidade do destino a gente não estava lá quando as coisas aconteceram? Não tivemos interesse em inventar coisas? Ou será que simplesmente fomos apagadas da história para favorecer uma hegemonia masculina?

Eu sou uma desenvolvedora de software, hoje para mim é muito forte a minha relação com a tecnologia de uma forma ativa. Eu me vejo como uma criadora de tecnologia, uma pessoa com um “superpoder” de conversar com máquinas e lhes dar ordens - ou pelo menos estou a caminho desse cenário, já que ainda sou uma desenvolvedora iniciante. Que máximo, não?

Mas nem sempre foi assim. Por muito tempo me senti incapaz de ser boa em qualquer coisa que envolvesse tecnologia. Sentia que o mercado de trabalho não era para mim, que eu estava fadada a uma vida de instabilidade financeira e dependência. Conversando com muitas outras mulheres, pude perceber que o simples fato de sermos mulheres foi base para muitas experiências em comum que moldaram nossas escolhas, que ditaram como deveríamos nos comportar, quais interesses deveríamos ter e até como deveríamos nos vestir.

Desde pequenas, é muito comum ouvirmos frases como "senta que nem mocinha", "que feio, palavrão na boca de menina", "brinquedo de menino", "brinquedo de menina"; ao mesmo tempo, incentivam meninos a sonhar em serem super heróis, cientistas, médicos, doutores, pilotos de naves espaciais, enquanto nós crescemos com bonecas, princesas e casinhas. É muito recente e ainda muito pobre nossa representatividade real na mídia, e quando pensamos em figuras históricas o nosso acesso aos grandes feitos de mulheres do passado é ainda mais escasso.

Esse cenário reflete diretamente nas nossas escolhas profissionais. A forma como somos criadas tradicionalmente nos conta a mentira de que não somos capazes como os homens de desempenhar tarefas que envolvam raciocínio lógico, destreza, direcionamento, assertividade, força… nos contaram que somos frágeis e emotivas, pouco racionais.

Historicamente, as mulheres ocuparam uma posição social de subordinação, como uma classe meramente reprodutora e ligada aos cuidados domésticos. Por mais que algumas coisas realmente tenham avançado hoje em dia, ainda estamos longe de uma situação ideal.

Até 1879 mulheres não tinham o direito de ingressar em uma universidade no Brasil; somente em 1932 nós mulheres conquistamos o direito de votar e só a partir de 1962 as mulheres casadas conquistaram o direito de trabalhar sem a autorização do marido. Todas essas datas são extremamente recentes, ainda mais quando paramos para pensar que aos homens esses direitos sempre estiveram assegurados.

Ainda assim, mulheres mudaram o mundo

E mesmo nesse contexto de desestímulo e falta de acesso, houve mulheres desviantes, mulheres que mudaram a história, inventaram linguagens de programação, sistemas operacionais, foram pioneiras na operação de supercomputadores. É muito louco pensar que, mais de 100 anos antes de nós mulheres adquirirmos o direito de votar no Brasil, Ada Lovelace já tinha criado o primeiro algoritmo a ser processado por uma máquina.

Ada Lovelace criou o primeiro algoritmo a ser processado por uma máquina, isso em 1843
Primeiro algoritmo da história, criado por Ada Lovelace.

Em 1946, Frances  Bilas,  Jean  Jennings,  Ruth  Lichterman, Kathleen  McNulty,  Betty  Snyder e  Marlyn Wescoff programavam o primeiro computador eletrônico da história, o ENIAC (Electrical Numerical Integrator and Computer), um computador com cerca de 70 mil resistores, 18 mil válvulas e 30 toneladas que elas descobriram como operar, criando sua própria metodologia e documentação. Isso aconteceu muito antes que as mulheres pudessem por lei portar um cartão de crédito no Brasil (somente em 1974 foi aprovada a chamada “Lei de Igualdade de Oportunidade de Crédito”).

Mulheres operando o primeiro primeiro computador digital eletrônico de grande escala, o ENIAC.

Em 1955, Grace Hopper desenvolvia a primeira linguagem de programação em inglês, a Flow-Matic, que foi base para a criação do COBOL, integrando ainda o comitê de desenvolvimento das especificações da linguagem. Grace também inventou o termo "bug", quando estava procurando por um problema no sistema e encontrou uma mariposa dentro do computador.  Sua contribuição para a tecnologia é inestimável.

Grace ganhou diversos prêmios e condecorações, e construiu uma carreira exemplar dentro da marinha americana entre 1943 e 1986, onde se aposentou como capitã. No entanto, até 1948 as mulheres não eram oficialmente permitidas no serviço militar norte-americano, sendo limitadas a trabalhos na enfermaria, alguns trabalhos administrativos - muitos deles voluntários - e só após essa data tiveram as mesmas possibilidades de carreira e crescimento que homens.

Grace Hopper: ela inventou o termo "bug", quando encontrou uma mariposa dentro da máquina
E aqui, as anotações originais de quando ela encontrou a mariposa.

Vemos, portanto, que as mulheres já estavam mudando o mundo 200 anos atrás, e contribuindo para a ciência e tecnologia, enquanto a própria sociedade masculinista não as reconhecia como iguais. Suas histórias estavam sendo escondidas - como se fossem maus exemplos! - ou simplesmente como se fossem personagens coadjuvantes em um filme em que só os homens têm o papel principal.

Cadê a mulher que estava aqui?

Hoje nós mulheres representamos apenas 15% dos inscritos em cursos de tecnologia, mas você sabia que esse número já foi absurdamente maior? Não poderia falar sobre isso sem citar o trabalho excelente da Camila Achutti, que investigou o fenômeno do desaparecimento de mulheres dos cursos de tecnologia, sendo que inicialmente representavam 70% dos alunos.

Você pode conferir uma palestra incrível que ela deu sobre o assunto nesse link.

E aqui uma imagem que não deixa dúvidas: primeira turma de Ciências da Computação na USP, composta por 70% de alunas mulheres.

Quando tudo começou e os primeiros computadores estavam sendo projetados, a criação e manipulação de software era considerada uma tarefa de secretariado, e por isso era designada às mulheres. Elas eram também maioria nos cursos de Matemática, e por isso as primeiras turmas de Ciência da Computação - na USP, por exemplo - eram formadas basicamente por mulheres. Essa realidade, porém, acabou se invertendo a partir do surgimento dos primeiros computadores pessoais (PCs) e a sua relação com games (algo tradicionalmente associado ao público masculino), além do surgimento de muitas vagas no mercado com salários bem atraentes. Assim, rapidamente as mulheres foram sumindo das salas de aula, e consequentemente do mercado de tecnologia.

A falta de modelos femininos de representatividade é uma mensagem, é como se estivéssemos fadadas a um destino biológico de desinteresse por tecnologia, como se não fossemos naturalmente boas nisso. É muito comum (mesmo para mulheres que já estão há anos trabalhando na área) nos sentirmos incapazes e incompetentes, e com isso criarmos situações de auto-sabotagem, como se as dificuldades que passamos fossem unicamente fruto da nossa própria incompetência, e todas essas sensações estão diretamente conectadas à mensagem.
É preciso urgentemente mudarmos essa mensagem, para que nós mulheres possamos nos sentir cada vez mais capazes de trilhar carreiras em tecnologia; para que existam incentivos para mulheres em todas as suas diversidades, e que essas diversidades sejam celebradas. Quando uma de nós avança, todas avançamos.

Incentivar é preciso

Uma iniciativa que nós mulheres já estamos tomando por nós mesmas é a criação de comunidades exclusivas de apoio, estudos, compartilhamento de informação e amizade. Isso inclusive foi fundamental para a minha própria formação como desenvolvedora, houve um período em que frequentemente me sentia ignorada nos grupos mistos (e majoritariamente masculinos) e por vezes até fui vítima de assédio.

Grupos exclusivos e dedicados são uma excelente maneira de começar no mundo da tecnologia se você for mulher. Isso porque você poderá conhecer outras mulheres em diversos estágios de carreira, vindas de diversas realidades diferentes da sua e com as mais diversas dificuldades. Com isso, você vai perceber que não está sozinha - que nenhuma dúvida é idiota - e se sentirá verdadeiramente acolhida.

Aqui quero aproveitar para deixar meu carinho especial pela comunidade Flutter Girls, onde eu conheci mulheres incríveis que são referências pra mim em tecnologia e também como pessoas.

Pensando nisso, preparei uma lista com 5 comunidades brasileiras para conhecer agora se você é (ou quer ser), uma mulher programadora:

  1. Flutter Girls
  2. Elas Programam
  3. Programaria
  4. Zero e Umas
  5. Minas Programam

Também confira 5 mulheres para seguir e se inspirar:

  1. Nina da Hora
  2. Papo de Dev
  3. Lelê Developer
  4. Gabs Codes
  5. Nina Talks

Lugar de mulher é no mercado de tech!


A entrada massiva de mulheres no mercado de tecnologia é fundamental para suprirmos a falta de profissionais qualificados que existe hoje. Se as empresas estão doidas para contratarem desenvolvedores, existem muitas mulheres que poderiam ser excelentes profissionais, então é urgente que as empresas também invistam em programas de formação em tecnologia voltados para mulheres, além de proverem um ambiente de trabalho seguro e inclusivo.

Ah, e não pense que por ser homem você não tem lugar nessa luta - na verdade, qualquer pessoa pode fazer parte dessa mudança! Você deve ouvir o que as mulheres têm a dizer, ajudar aquela sua amiga a entrar no mercado de tecnologia, ouvir e valorizar as ideias das suas colegas de trabalho, respeitar e admirar suas superiores, pedir conselhos a elas e ser parceiro. Isso já seria um ótimo começo para promover uma mudança real no cenário de tech para nós mulheres.

Nós não queremos flores, ou a tradicional romantização das dificuldades que passamos - como acontece em todo 8 de março! - dizendo que somos “guerreiras”, mas sem fazer nada de fato para que nós não tenhamos que ir para a “guerra” para obtermos o mínimo. Nesse mês da mulher, troque esse buquê de flores e os chocolates pelo incentivo real das mulheres, leia mulheres, consuma de mulheres, ouça podcasts de mulheres, dê oportunidades. Enfim, dê a chance e, principalmente, a oportunidade para que nós mulheres possamos mostrar todo o nosso potencial.