Trans no mundo tech: como ser uma pessoa aliada?
Antes de tudo, é importante pensarmos no contexto social. Pessoas trans e principalmente travestis são grupos que sofrem muita opressão na sociedade tanto sendo inviabilizadas tendo a sua existência questionada, quanto no quesito violência (física, verbal, moral, psicológica). Esta opressão já vem dos tempos antigos nos quais existia uma fixação por apenas dois gêneros e, posteriormente, criou-se na cabeça das pessoas que gênero é a mesma coisa que sexo, sendo necessario se segurar ao que “mais conforta” a sociedade.
Por conta disso, é muito importante oferecer apoio para essas pessoas hoje em dia e ajudar a buscar diminuir essa opressão – não só contra pessoas trans, mas com todas as minorias sociais – para construirmos juntos uma sociedade mais justa e igual para todos.
Quantas pessoas trans você conhece?
E quantas trabalham na mesma área que você? Quantas no seu time? Se há poucas, ou até não existem pessoas trans na TI que você conheça, quais serão as referências de outras pessoas trans que estão entrando no mundo da tecnologia vão conhecer? Pois é. Este é um exercício de reflexão que precisamos fazer sempre para criar ações e reverter o cenário atual.
Esta falta de referência, além de não trazer representatividade, pode causar desânimo e fazer com que pessoas competentes desistam de trabalhar na área. Além disso, caso não tenha um acolhimento ideal com essas pessoas no mercado de trabalho, gatilhos e frustrações podem ser despertadas e fazer com que não se sintam merecedoras de estar ali.
Pessoas trans na tecnologia são uma minoria ainda mais do que na sociedade como um todo. Além de todas as barreiras que precisam ser enfrentadas antes de sequer pensar em entrar na área, como ter um computador, estudar e acesso a internet e conteúdo, etc.. ainda é preciso enfrentar culturas corporativas que estão impregnadas fortemente nas empresa, como a heteronormatividade e cisnormatividade.
Como melhorar a situação nas empresas?
Podemos melhorar essa situação de diversas formas. Listamos aqui algumas delas:
- Mudando a forma que as lideranças das empresas lidam com pessoas trans, respeitando nomes e pronomes em reuniões internas da empresa, com clientes e fornecedores e também em documentos da empresa,
- Tendo outras pessoas trans no time,
- Estimulando debates e interações que contemplem todas as pessoas integrantes dos times. Todas as pessoas precisam ter voz,
- Criar um canal de comunicação para que as pessoas trans possam interagir entre elas.
Além disso, é importante repreender pessoas transfóbicas na empresa, principalmente porque essas pessoas podem ser incômodas com diversas outras minorias. As empresas precisam deixar claro e reforçar sempre que qualquer ato de discriminação não será aceito.
Opressão ativa X erro
Lembrando que há uma grande diferença de uma opressão ativa para um erro. Um erro é ingênuo e acidental enquanto uma opressão ativa é violenta e tem a intenção de machucar.
4 frases transfóbicas para tirar do vocabulário
“Você nem parece trans”
O erro dessa frase está em dizer que pessoas trans têm um rosto específico. Rostos não tem gênero e falar essa frase apenas reforça estereótipos. Além disso, até mesmo pessoas cisgênero podem se ofender, por exemplo, homens e mulheres que tem um rosto com características do sexo oposto.
“Você é homem/mulher de verdade?”
Como já foi dito antes, homem e mulher são conceitos sociais, então toda mulher, cisgênero ou transgênero, é uma mulher de verdade. A mesma coisa acontece com homens. Dizer “homem/mulher de verdade” é falar que as identidades trans são de mentira.
“Homem biológico” ou “Mulher biológica”
O problema desses termos é que eles estão associando “homem” e “mulher” com o funcionamento biológico dos corpos, não com a auto identificação das pessoas com o seu gênero.
“Você já fez a cirurgia?"
Este tipo de pergunta é muito invasiva. Cada pessoa trans tem o seu processo e, independente de ter feito a cirurgia, a identidade dela merece ser respeitada.
Criação de referências
Uma ação muito importante também é incentivar pessoas trans a produzirem conteúdo e se tornarem referência no que fazem. Isso é muito difícil por conta de todo o histórico que essas pessoas passaram pelas suas vidas, mas é possível quebrar a barreira da timidez e da autocrítica, exigindo tempo e autoconhecimento.
Logo, esse processo não deve ser resumido a uma palestra ou evento direcionado à pessoas trans na empresa, por exemplo, mas pode ser implementado ações que mudem a cultura da empresa de forma que incentive o crescimento pessoal e a melhoria da condição mental e financeira dessas pessoas.
Com essas mudanças, mais pessoas trans vão incentivar outras - dentro e fora da empresa - e trabalharão mais motivadas em um ambiente que as reconheça. Com isso, existirá um ambiente corporativo que realmente se importa com diversidade e não em criar conteúdos e ações apenas no mês de junho.
Pessoas que se descobrem trans dentro do mundo tech
Também é importante pensarmos nas pessoas que já estão na carreira de tecnologia e se descobrem trans, um grupo que inclusive eu faço parte. Para essas pessoas é importante ter aquele grupo que citei acima para auxiliar no seu processo de autoconhecimento e que todas as pessoas da empresa que tem contato com essa pessoa que está se descobrindo respeitem qualquer decisão que ela tomar, principalmente em relação à forma que ela deseja ser tratada.
Esse dever que a empresa deve ter nesses momentos é importante para a pessoa que está se descobrindo, se sentindo acolhida e integrada àquele ambiente, e também é importante para a empresa, aprendendo a cada vez como lidar melhor com diversidades, e ganhando a imagem de uma empresa realmente diversa e inclusiva que foi citada antes.
Transchange
O Transchange é um projeto que possibilita que pessoas trans troquem o nome no GitHub alterando todos os commits dos seus próprios repositórios e podendo alterar arquivos também como README's e licenças. Isso facilita e muito o processo de transição de gênero dessas pessoas que se descobriram trans já dentro da tecnologia.
Para acessar o projeto, acesse este link no GitHub e siga o passo a passo listado no README.
Divulgue e ajude o projeto!
Você, transgênero ou cisgênero, também ajuda deixando uma estrela no GitHub e compartilhando com outras pessoas que você conhece. O legal é que, mesmo que elas não usem o GitHub, podem compartilhar o projeto com a comunidade dev alcançando mais pessoas trans. Além disso, quem quiser ajudar na criação e manutenção do projeto, será mais que bem vindo(a)!
O projeto surgiu depois de eu transacionar de gênero publicamente no começo de 2022 e precisar começar a alterar minha identidade nas redes. Com isso, descobri que não havia nenhuma forma automatizada para fazer essas alterações no Github. Então, depois de um tempo com esse problema, tive a ideia de criar esse projeto que automatiza processos que antes seriam manuais e muito demorados, principalmente para pessoas que têm dezenas de repositórios no seu GitHub.
Papel das comunidades
As comunidades, como sempre, tem um papel fundamental já que é o lugar onde se ensina, aprende e cria conexões com devs do Brasil e do mundo. É muito importante incentivar a participação de pessoas trans em comunidades de tecnologia, tanto a área de dev, quanto outras áreas, como QA, Devops, Devrel, etc.
É muito legal fazer esse incentivo por conta das comunidades de diversidade e inclusão, que são comunidades que buscam criar um ambiente diverso, inclusivo e seguro, com o objetivo de promover uma ou mais minorias. Incentivando a produção de conhecimento por parte dessas minorias e a divulgação desse conteúdo para a comunidade.
A principal vantagem de participar dessas comunidades é o sentimento de estar em um grupo. Algo que para qualquer pessoa é importante, mas especialmente para pessoas trans é algo vital para estarem bem consigo e poderem conversar e desabafar sobre assuntos que não se sentiriam confortáveis em outros lugares.
Vamos aprender mais?
É importante que você não aprenda sobre assuntos de gênero e diversidade apenas com esse artigo. Por isso, deixamos aqui uma lista com pessoas, organizações e projetos para você seguir e continuar em contato com o assunto:
Lissa Ferreira (autora deste artigo) - Trans, produtora de conteúdo, Community Manager e coordenadora de algumas comunidades. Além disso, ela produziu o artigo TRANSquimia: do carvão pro diamante, que mostra a origem da transexualidade no ponto de vista de quem é trans.
Bryanna Nasck- Trans não binária, produtora de conteúdo e gamer.
ANTRA Brasil - A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) é uma rede nacional que articula em todo o Brasil 127 instituições que desenvolvem ações para promoção da cidadania da população de travestis e transexuais.
GAROTRANS - Podcast produzido por 3 amigas trans falando sobre assuntos do momento, relacionando com a vivência e cultura trans e LGBTQIA2P.
Gabi Weber - Travesti, cientista e professora da USP
Odara Soares - Ativista trans multifacetada (mais de um ativismo)
Caê Vasconcelos - Homem Trans, bissexual e repórter especializado na cobertura LGBTQIA2P+
Erika Hilton - Presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de SP
Alina Durso -Travesti, assexual e criadora de conteúdo.
Esses são os perfis que recomendamos para começar a se inteirar, mas ao longo do tempo você vai começar a seguir outros perfis e ir aumentando essa participação na sua timeline.
Conclusão
Nesse artigo, falamos sobre pessoas trans na sociedade, dentro e fora da tecnologia, os principais problemas que enfrentamos e como todos podem nos ajudar a conquistar mais espaço e respeito. Lembrando que não é apenas as minorias LGBTQIA+ que precisam de visibilidade e representatividade, mas também minorias cujo estejam sobre mais de uma camada como uma pessoa transgênero preta ou uma pessoa indígena neurodivergente, por exemplo. Obrigada por ler ❤️🏳️⚧️